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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Vincent van Gogh

Vincent van Gogh agradeceu por carta os 50 francos recebidos do irmão Theo, que era quem pagava suas contas."Talvez eu gostasse de escrever sobre muitas coisas, mas a vontade passou a tal ponto que vejo inutilidade nisso", prosseguiu. O irmão, marchand que vivia em Paris e acreditava no potencial do artista ainda desconhecido, leu e comentou com a mulher: "Teve essa carta de Vincent que mais uma vez achei incompreensível".
Era 23 de julho de 1890. Quatro dias depois, Van Gogh deu um tiro no próprio peito, numa casa de campo perto de Paris.
A intensa correspondência entre os dois, iniciada 18 anos antes, tornou-se célebre pouco depois da morte de Van Gogh, quase ao mesmo tempo que os quadros que o fariam ficar conhecido como um dos precursores da arte moderna.A primeira edição das cartas aconteceu em 1914, sob os cuidados da viúva de Theo, que achou por bem evitar atribulações e tirou trechos mais ásperos sobre amigos e familiares 
.Agora, quase um século depois, foi concluído com base nessas cartas o mais minucioso retrato das reflexões que envolviam o trabalho do artista.
Ele inclui os seis volumes de "Vincent van Gogh -0The Letters" (Thames & Hudson), um calhamaço recém-lançado na Europa, em francês, holandês e inglês, e que pela primeira vez reúne todas as 902 cartas conhecidas de Van Gogh.
As missivas também estão expostas em Amsterdã, até janeiro do ano que vem, e podem ser vistas pelo site http://www.vangoghletters.org/, no ar há uma semana.
O que se tem é quase um monólogo de Van Gogh -que não era muito propenso a guardar cartas recebidas.
Mas é o bastante para entender melhor seu "mundo interior", como diz à Folha, por telefone, Leo Jansen, um dos três curadores do Museu Van Gogh que se debruçaram sobre o material por 15 anos -15 anos de cada um deles, o que, nas contas de Jansen, dá 45 anos de trabalho.Uma edição anterior com as cartas já havia sido traduzida para o inglês em 1958.
A nova seleção tem 20 cartas a mais, além de trechos que tinham ficado de fora. Mas não foi isso o que exigiu os "45 anos" de trabalho dos curadores.
A maior diferença em relação a edições anteriores é a tradução mais precisa -que não perdoa nem os menores erros ortográficos de Van Gogh, devolvendo aqueles que outras edições haviam retirado-, as cuidadosas notas de rodapé e as mais de 2.000 imagens de pinturas citadas pelos artistas.A conclusão a que os curadores chegaram é muito diferente da ideia comum de que a impulsividade, antes de a loucura começar de fato a prejudicar a habilidade do pintor, coincidia com momentos criativos.
Van Gogh, diz Jansen, nunca teve nada a ganhar com a insanidade. "Coloquemos assim: ele era um homem louco, não era um artista louco."As cartas mostram que o holandês não jogava qualquer coisa que fosse à sua mente nas telas. "Ele não tinha inspiração na insanidade. Era racional, metódico. Quando tinha acessos de loucura, não trabalhava. Sabia que, para escrever uma boa carta, ou fazer uma boa pintura, precisava de todo seu poder mental, e que quando estava doente perdia isso."Literatura Além de cartas a Theo, a correspondência inclui algumas enviadas a colegas como Paul Gauguin e Émile Bernard, e também esboços de obras que estava pintando -como o do quadro "O Semeador", que pode ser visto nesta página.As cartas permitem ainda perceber uma conexão entre a literatura e a pintura. Van Gogh, cujas habilidades "literárias" sempre foram elogiadas, sabia citar "quase sempre com precisão" trechos de romances e poesias lidos anos antes."Tudo o que ele leu, tudo o que admirou, ele também tentou buscar na própria arte." Entre os mestres na literatura, Émile Zola (1840-1902) aparece com frequência. Ele gostava da obra do francês, mas não aceitava bem, por exemplo, os poemas dos simbolistas.Assim como não dependia da loucura para criar, "ele rejeitava a ideia de artistas usarem sonhos para fazer seus poemas, ou suas pinturas. Isso não era Van Gogh. Ele precisava da realidade como ponto de partida".A depressão que acompanhou o pouco reconhecimento de sua arte em vida, embora perceptível na última carta ao irmão, nunca é abertamente citada. O momento em que cortou o lóbulo da orelha esquerda aparece só "en passant" -o que já deu margem até para jogarem a culpa em Gauguin.