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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Van Gogh

Autores
reuniram evidência para
mostrar que o artista foi alvo
de um disparo acidental
e quis poupar assassinos.
Não houve  o suicídio de Van Gogh.
Em volume de mais de mil páginas,
Steven Naifeh e Gregory White Smith
esmiúçam toda a vida do impressionista.
Por trás do cromatismo visceral
de suas telas
e de suas composições estonteantes,
Vincent Van Gogh, morto aos 37 anos,
em 1890, foi um louco, solitário
e atormentado.
Sua arte,
como atesta a mais extensa biografia
escrita sobre o impressionista
até hoje, seria resultado de uma
"vontade heroica de viver"
"Ele sofria de uma solidão
desesperadora,
não se dava bem com ninguém,
tinha surtos psicóticos, sífilis
e um tipo raro de epilepsia", 
que os autores de "Van Gogh - 
A Vida",
lançado no Brasil.
"É difícil imaginar que
 mesmo nesse
quadro depressivo,
ele se levantava da cama todos
os dias para fazer as suas telas."
No volume de mais de mil páginas,
Naifeh e Gregory White Smith, 
mergulham nos ínfimos detalhes
da vida conturbada de Van Gogh.
De sua infância na 
Holanda à passagem
por Paris e 
o fim da vida no interior
da França, constroem um diário
do artista a partir de 
sua correspondência
com o irmão Theo 
e de relatos da época.
"Sou um fanático", escreveu Van Gogh.
 "Sinto um poder dentro de mim que
não posso apagar 
e preciso manter aceso.
Fico irritado quando me dizem
que é arriscado
se lançar ao mar.
Há segurança no olho do furacão."
Por um lado, o livro reafirma
os estereótipos
do artista delirante,
que plasmou a sua visão de mundo
com base no turbilhão mental que o atormentava.
Mas, por outro, lança mão de novos argumentos
para rever alguns episódios na vida de Van Gogh,
entre eles o seu suposto suicídio.
Sustentam que Van Gogh foi vítima
de um assassinato acidental,
alvejado pela arma de verdade de um garoto
que brincava de caubói.
Segundo os autores, o ângulo do tiro,
a distância que a bala percorreu
e o fato de ter atingido o estômago
do artista refutam a tese de um suicídio.
"Ninguém que tenta se matar atira
na própria barriga, que é uma forma
muito dolorosa de morrer",
diz Naifeh. "Ele morreu nos braços do irmão
depois de 48 horas agonizando.
Também a distância do tiro
foi grande demais para que ele estivesse
segurando a arma.
Sem contar que ele havia escrito
em várias ocasiões que o suicídio
é um exemplo de covardia moral."
MUTILAÇÃO E SUICÍDIO
Em contraponto, o célebre episódio
em que Van Gogh cortou 
sua orelha direita
teria ocorrido, na versão dos autores,
durante um surto psicótico do artista,
um contexto diferente
do da morte, em que ele estava lúcido.
"Van Gogh foi muito coerente.
Não é possível fazer 
qualquer ilação
entre esse ato de mutilação 
e sua suposta
vontade de morrer".
 "Uma pessoa que 
se mutila quer
ser resgatada,
 tenta chamar atenção 
para a própria miséria,
mas não quer acabar 
com a sua vida."
No caso, Van Gogh cortou 
a própria orelha
depois de uma briga 
com Paul Gauguin,
que então vivia com 
ele em Arles.
Gauguin havia se 
mudado
para o interior da França para
cuidar de Van Gogh
a pedido de seu irmão Theo,
e recebia dinheiro por isso,
numa amizade por contrato.
Quase todas as relações estáveis
de Van Gogh, aliás, seguiam
o mesmo arranjo.
Sua única mulher, uma prostituta,
passava os dias com ele
em troca de dinheiro.
Seus modelos também relatavam
que ele os obrigava a posar e
que era louco e agressivo.
Talvez pela falta de traquejo social,
Van Gogh focasse mesmo 
em paisagens
e naturezas-mortas.
 O artista tinha sérias dificuldades
em retratar a figura humana,
em especial duas pessoas
em perspectiva.
Em seu famoso retrato do
carteiro de Arles,
é visível o esforço em mimetizar na
tela as mãos do personagem, q
ue resultam distorcidas e estranhas.
Mesmo assim, Van Gogh gostou
tanto do resultado que copiou
essas mesmas mãos
em outros quadros que pintou,
até de mulheres.
"Ele ficava tão desesperado
na tentativa de desenhar figuras
humanas, que acabava fazendo
quase caricaturas".
"Mas são sempre arrebatadoras.
Sua memória absorvia tudo o que via,
tinha um foco maníaco."
Fora as visões acumuladas,
Van Gogh aproveitava seu isolamento
para mergulhar nos livros.
Lia em quatro línguas e
 releu mais de uma vez a obra
de Charles Dickens e William Shakespeare,
mas também livros de autoajuda
e poesia romântica alemã.
No livro, os autores argumentam
que tudo isso, das visões psicóticas
do artista à interpretação desse
arsenal de leituras, aparece nas telas.
"Sua obra é sempre um embate
entre decisões tomadas de antemão
e suas tentativas frustradas 
diante do quadro".
 "As combinações de cor 
que ele usava
são únicas e nada 
convencionais.
Ele pintava com fúria, 
mas não
quer dizer que era 
aleatório.
Ele era rápido e inteligente."
Um tiro ecoa.
 Ele tropeça,
o irmão
leva para sua cama,
fuma seu cachimbo
e um ou dois dias 
depois morre.
 Agora, é razoável esperar que,
por um corretivo a 
sua biografia,
 o suficiente para recalibrar
tudo já escrito sobre ele.
Sua loucura é demasiado grande
para que a psicologia possa tratá-la. 
Sua pintura é poesia pura. 
Sua escrita, pura pintura.