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quinta-feira, 21 de março de 2024

Rugas de Freud

O anos ensinaram,
a aceitar 
a vida,
com serena humildade.
Multiplicaram
as rugas
na sua fronte.
Mas...
Intensificaram

a sua palidez de sábio.

...
Sua face
estava tensa,
como
se sentisse dor. 
Sua Mente,
estava alerta, 
seu espírito firme, 
sua cortesia impecável 
como sempre, 
mas um ligeiro impedimento 
da fala me perturbou, por 
um tumor maligno 
no maxilar superior 
necessitou ser operado...
então Freud usou 
uma prótese, 
uma causa de 
constante irritação.
Do maxilar mecânico, 
diz que a luta 
com o aparelho 
me consome tanta 
energia preciosa. 
Mas prefiro ele a 
maxilar nenhum. 
Ainda prefiro a 
existência à extinção.
Talvez os deuses 
sejam gentis conosco, 
tornando a vida 
mais desagradável 
à medida que 
envelhecemos. 
Por fim, a morte 
nos parece menos 
intolerável do que os 
fardos que carregamos.

Freud se recusa a admitir 
que o destino lhe 
reserva algo especial.

Por quê  disse calmamente,
deveria eu esperar 
um tratamento especial ?
A velhice, com sua agruras 
chega para todos. 
Eu não me rebelo contra 
a ordem universal. 
Afinal, mais de setenta anos. 
Tive o bastante para comer. 
Apreciei muitas coisas,
a companhia de minha mulher, 
meus filhos, o pôr do sol. 
Observei as plantas 
crescerem na primavera. 
De vez em quando tive uma 
mão amiga para apertar. 
Vez ou outra encontrei 
um ser humano 
que quase me 
compreendeu. 
Que mais posso querer?

Da fama, disse que 
Sua obra influi 
na literatura de cada país. 
O homem olha a vida 
e a si mesmo com outros 
olhos, por causa 
do senhor. 
E recentemente, 
no seu septuagésimo 
aniversário, 
o mundo se uniu para 
homenageá-lo,
com exceção 
da sua própria 
Universidade.

Sobre a Universidade 
de Viena,
Se me demonstrasse 
reconhecimento, 
eu ficaria embaraçado. 
Não há razão em 
aceitar a mim 
e a minha obra 
porque tenho setenta anos. 
Eu não atribuo importância 
insensata aos decimais.

A fama chega apenas, 
quando morremos, 
e francamente, 
o que vem depois,
não me interessa. 
Não aspiro à glória 
póstuma. 
Minha modéstia 
não é virtude.

Não significa nada, 
o fato de que o S. Freud, 
vai viver?

Absolutamente nada, 
mesmo que ele viva, 
o que não é certo. 
Estou bem mais 
preocupado 
com o destino de 
meus filhos. 
Espero que suas vidas,
não venham 
a ser difíceis. 
Não posso ajudá-los 
muito. 
A guerra praticamente 
liquidou 
com minhas posses, 
o que havia poupado 
durante a vida. 
Mas posso me dar 
por satisfeito. 
O trabalho é minha fortuna.

Estávamos subindo 
e descendo uma pequena 
trilha no jardim 
da casa. 
Freud acariciou ternamente 
um arbusto 
que florescia.

Estou muito 
mais interessado 
neste botão do que 
no que possa 
me acontecer depois 
que estiver morto.

Então quem é o senhor, 
afinal, um 
profundo pessimista?

Não, diz,
não sou. 
Não permito que 
nenhuma reflexão 
filosófica estrague 
a minha fruição 
das coisas simples da vida.

Enfim 
o senhor acredita 
na persistência 
da personalidade 
após a morte, 
de alguma forma 
que seja...

Não responde...
 penso nisso. 
Tudo o que vive perece. 
Por que deveria 
o homem construir 
uma exceção?
Gostaria 
Sr. Freud,
de retornar 
em alguma forma, 
de ser resgatado do pó ? 
O senhor não tem, em outras
palavras, desejo de imortalidade?

Sinceramente Freud, diz não. 
Se a gente 
reconhece os motivos egoístas 
por trás de conduta humana, 
não tem o mínimo desejo 
de voltar a vida, movendo-se 
num círculo, 
seria ainda a mesma.

Além disso, mesmo se 
o eterno retorno 
das coisas, para usar 
a expressão de Nietzsche, 
nos dotasse novamente 
do nosso invólucro carnal, 
para que serviria, 
sem memória? 
Não haveria elo entre 
passado e futuro.

Pelo que me toca 
estou perfeitamente 
satisfeito em saber 
que o eterno 
aborrecimento de viver 
finalmente passará. 
Nossa vida é necessariamente 
uma série de compromissos, 
uma luta interminável entre 
o ego e seu ambiente. 
O desejo de prolongar a vida 
excessivamente 
me parece absurdo.

Sobre Bernard Shaw 
ele sustenta 
que vivemos muito 
pouco, disse. 
Ele acha que o homem pode 
prolongar a vida se 
assim desejar, 
levando sua vontade 
a atuar sobre as 
forças da evolução. 
Ele crê que 
a humanidade 
pode reaver a 
longevidade 
dos patriarcas.

É possível, 
respondeu
Freud, 
que a morte em si 
não seja uma 
necessidade biológica. 
Talvez morramos 
porque desejamos morrer.

Assim como amor e ódio 
por uma pessoa habitam 
em nosso peito 
ao mesmo tempo, 
assim também toda 
a vida conjuga 
o desejo de manter-se 

o desejo da própria 
destruição.

Do mesmo modo com 
um pequeno elástico 
esticado 
tende a assumir a 
forma original, 
assim também toda 
a matéria viva, consciente 
ou inconscientemente, 
busca readquirir a completa, 
a absoluta inércia 
da existência inorgânica. 
O impulso de vida 
e o impulso de morte 
habitam lado a lado 
dentro de nós.

A Morte é a companheira 
do Amor. 
Juntos eles regem o mundo. 
Isto é o que diz o meu livro: 
Além do Princípio do Prazer.

No começo, a psicanálise supôs que 
o Amor tinha toda a importância. 
Agora sabemos que a Morte 
é igualmente importante.

Biologicamente, todo ser vivo, 
não importa quão intensamente 
a vida queime dentro dele, 
anseia pelo Nirvana, 
pela cessação 
da “febre chamada viver”, 
anseia pelo seio de Abraão. 
O desejo pode ser encoberto 
por digressões. 
Não obstante, o objetivo
 derradeiro da vida 
é a sua própria extinção.

Isto, exclamei, 
é a filosofia da autodestruição. 
Ela justifica o auto-extermínio. 
Levaria logicamente 
ao suicídio universal imaginado 
por Eduard von Hartamann.

A humanidade, Freud responde, 
não escolhe o suicídio 
porque a lei do seu ser desaprova 
a via direta para o seu fim. 
A vida tem que completar o seu ciclo de existência. 
Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar 
a pulsão de morte, embora no final 
resulte mais forte.

Podemos entreter a fantasia de que 
a Morte nos vem por nossa 
própria vontade. 
Seria mais possível que pudéssemos 
vencer a Morte, não fosse por seu aliado 
dentro de nós.

Neste sentido acrescentou 
Freud com um sorriso, 
pode ser justificado dizer que toda 
a morte é suicídio disfarçado.

Estava ficando frio no jardim.

Prosseguimos a conversa no gabinete.

Vi uma pilha de manuscritos 
sobre a mesa, com 
a caligrafia clara de Freud.

Em que o senhor está trabalhando?
Estou escrevendo, responde,
uma defesa da análise leiga, 
da psicanálise praticada 
por leigos. 
Os doutores querem tornar 
a análise ilegal 
para os não médicos. 
A História, essa velha plagiadora, 
repete-se após cada descoberta. 
Os doutores combatem cada 
nova verdade no começo. 
Depois procuram monopoliza-la.
O senhor teve muito apoio dos leigos?

Alguns dos meus melhores discípulos são leigos...diz Freud.

O senhor está praticando muito psicanálise?

Sim, certo neste momento 
estou trabalhando 
num caso muito difícil, tentando desatar 
os conflitos psíquicos 
de um interessante novo paciente.

Minha filha também é psicanalista, 
como você vê…

Nesse ponto apareceu a filha 
Sra. Anna Freud acompanhada 
por seu paciente, 
um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.

Freud, senhor já analisou a si mesmo?
Certo. 
O psicanalista deve constantemente 
analisar 
a si mesmo. 
Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros.

O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. 
Os outros descarregam seus pecados 
sobre ele. 
Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.

Minha impressão, 
Sr., Freud, observei, 
é de que a psicanálise desperta 
em todos que a praticam 
o espírito da caridade cristão. 
Nada existe na vida humana que 
a psicanálise não possa 
nos fazer compreender. 
“Tout comprec’est tout pardonner”.

Pelo contrário!
 bravejou Freud, 
suas feições assumindo 
a severidade de um profeta hebreu. 
Compreender tudo não é perdoar tudo. 
A análise nos ensina 
não apenas o que podemos 
suportar, mas também 
o que podemos evitar. 
Ela nos diz o 
que deve ser eliminado. 
A tolerância com o 
mal não é de maneira 
alguma um corolário 
do conhecimento.

Compreendi subitamente 
porque Freud havia litigado 
com os seguidores que 
o haviam abandonado, 
por que ele não perdoa 
a sua dissensão 
do caminho reto 
da ortodoxia psicanalítica. 
Seu senso do 
que é direito é herança 
dos seus ancestrais. 
Uma herança de que ele 
se orgulha como 
se orgulha de sua raça.

Minha língua, ele me explicou, 
é o alemão. 
Minha cultura, 
mina realização é alemã. 
Eu me considero 
um intelectual alemão, 
até perceber 
o crescimento do preconceito 
anti-semita na Alemanha 
e na Áustria. 
Desde então prefiro 
me considerar judeu.

Fiquei algo desapontado 
com esta observação.

Parecia-me que o espírito de Freud 
deveria habitar nas alturas, 
além de qualquer preconceito de raças que ele deveria ser imune 
a qualquer rancor pessoal.
No entanto, 
precisamente 
a sua indignação, 
a sua honesta ira, 
tornava o mais atraente 
como ser humano.

Aquiles seria intolerável, 
não fosse por seu calcanhar!,

Fico contente,
Professor Freud, 
de que também o 
senhor tenha seus 
complexos, de 
que também o senhor 
demonstre que é um mortal!

Nossos complexos, 
replicou Freud, são a fonte 
de nossa fraqueza, 
mas com freqüência 
são também a fonte 
de nossa força.
Entrevista a George
Sylvester Viereck.