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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Carlos Drummond de Andrade.

O
POETA CARLOS 
Drummond
de Andrade é brasieleiro.
Vi-o, pela primeira vez, ao sair do elevador do "Correio da Manhã", na avenida Gomes Freire, aonde fui com Oliveira Bastos 
e Décio Victório, certa tarde, 
em que 
decidimos escandalizar 
as pessoas. 
Meus dois companheiros 
tinham as respectivas gravatas 
presas à cintura, enquanto 
eu trajava calças, paletó e gravata mas, 
em lugar de sapatos, calçava tamancos. Você não deve ter se dado conta da provocação, pois mal nos olhou, ao sair do elevador. Subimos até o andar da Redação e, numa saleta, nos deparamos com Otto Maria Carpeaux que, míope como era, escrevia à mão com a cara grudada no tampo da escrivaninha. Entramos os três e nos pusemos, ali, imitando-o, também com a cara colada na mesa. Ele se assustou e nos lançou um olhar indignado que nos fez deixar a saleta às gargalhadas.
Isso foi em 1955, quando alguns 
poucos que me conheciam tinham-me por maldito. 
Eu vagabundava, naquela época, pelas ruas do centro da cidade e às vezes 
me sentava à porta de um restaurante, ali na esquina 
de Graça Aranha 
com Araújo Porto Alegre; 
para contemplar 
o edifício do hoje Palácio 
Gustavo Capanema, 
que parecia flutuar, 
onde você trabalhava. 
E o vi, certa vez, 
deixar o trabalho, 
de mãos dadas com uma mocinha, que, soube depois, era sua namorada. A sua cara, porém, nada dizia.
Muitos anos se passaram até que você chegasse aos 70 anos e me convidassem para participar de um programa de televisão em sua homenagem. Escolhi, para dizer, aquele seu poema "Memória", por ser curto e por ser belo:
"As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão."
Fiquei todo bobo quando, dias depois, recebi um bilhete seu, agradecendo minha participação na homenagem e elogiando o modo como havia dito o poema. Tenho esse bilhete comigo, até hoje, guardado em alguma gaveta.
A última vez que o vi foi no velório de Vinicius de Moraes, no cemitério São João Batista. A morte, neste caso, serviu para nos aproximar: fui falar com você e, para minha surpresa, em vez do homem tímido e reservado, deparei-me com um sujeito irritado, reclamando da doença que lhe tinha aberto uma ferida no rosto, como me mostrou. Havia, de fato, uma cicatriz que lhe marcava a face direita.
Depois disso, só voltaria a vê-lo 
naquele mesmo cemitério, desta vez em seu próprio velório. 
Eu tinha, naquele dia, um compromisso de trabalho em Brasília mas, a caminho do aeroporto, fui, por assim dizer, despedir-me de você. 
E, desta vez, quem estava revoltado 
era eu, revoltado com sua morte, 
com esse fato inevitável e inaceitável, que é a morte 
das pessoas que amamos ou admiramos. As declarações, 
que dei aos jornalistas, naquela ocasião, estavam mais perto do insulto que de outra coisa. 
A quem eu insultava, na verdade, não sei.

Carta tardia que recebeu 
foi o autor deste artigo Ferreira Gullar.