Rebel: Imagens, palavras...a essência... a natureza

Rebel

LOOKING IN WINDOW


R.E.B.E.L - Most View- - Week- Top Ten

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

The Pain of Existing

Extratos psicanalíticos de Fernando Pessoa.
A marca da vida é a insatisfação da alma humana, sua fragilidade, sua precariedade e sua limitação, a dor, o pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a incapacidade em se construir como algo definitivo. 


Haverá sempre um além, que a palavra falhou em alcançar ao buscar traduzir a vivência da nossa experiência e esta em narratividade. 
Diante do desejo do absoluto e da impossibilidade de realização, a alma adormece "num mar de sargaço" e tédio.
Está é a vida e os anos que passam.
F. Pessoa usa o sonho, o saudosismo de uma infância idealizada e de um tempo passado perfeito e perdido. 
O homem do presente é falho, limitado e mortal, cujo futuro não sinaliza esperança em um devir. Lembro-me de alguém na minha adolescência e que me disse o seguinte certa vez: "Sabe, pensar dói". 
A poesia de Fernando Pessoa parece dizer: 
Viver dói. 
Existir dói. 
Pensar dói. 
A vida dói.
Tem dias que a dor é maior.
Estou num daqueles dias sem esperança em que parece dizer nunca teremos futuro. 
Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno de mim. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. 
Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em sua obra, 
os seguintes temas são recorrentes: Autoconsciência, tédio e náusea, desesperança o desencontro, inquietações existenciais, a dor de pensar, melancolia e angústia, a soberania do intelecto sobre o sensório, fragmentação do eu e perda da identidade.
Não sei quantas almas tenho... 
Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu.
Seu estado melancólico é fonte, meio e destino de sua experiência criativa. Avassalado pela dor, ele vai de encontro a seus demônios e fantasmas e transmuta sofrimento em transcendência. 
Ao se recusar a cultivar sua individualidade, 
F. Pessoa se entrega como campo de batalha de seus múltiplos, devassa o entre mundos e vai para o além do eu.
O que um psicanalista diria sobre Pessoa.
O que dizer que de alguém que me parece o paradoxo encarnado.
A sua dor, o seu sofrer, é de onde se origina sua transcendência e sua imortalidade. Daquilo que lhe parecia sempre aquém de seus desejos, de sua experiência de si, Fernando Pessoa vai além. Apóio-me no que ele diz de si mesmo:
A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. 
Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registro dos seus sintomas. 
Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. 
Estes fenômenos, felizmente para mim e para os outros, mentalizaram-se em mim, quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher, na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas, cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...Como Winnicott, acredito que a questão fundamental de um ser humano é ser a si mesmo. Tudo o que impossibilitar a constituição ou a manutenção de um senso de continuidade de existência de um indivíduo conduz ao colapso e à vivência de "angústias impensáveis". Este sentido de existência não é criado
apenas pelo indivíduo, de forma isolada, mas pela contínua interação dele com seu entorno: quanto mais jovem, maior é a dependência e a influência do ambiente nos processos de amadurecimento, que não ocorrem de forma automática ou pré-determinada. 
Amadurecer é um processo contínuo, ativo e interdependente, e não se trata de algo que, uma vez conquistado, prescinda de investimento.
Quando Winnicott, diz que "meu ofício é ser a mim mesmo", está implícito o compromisso e o trabalho de uma vida inteira a serviço da criação, recriação e integração entre aquilo que é vivido e aquilo que é sentido. O risco extremo para um vivente, em termos de saúde psíquica, é a dissolução, a perda do sentimento de ser uma pessoa. Ser a si mesmo é uma condição que precisa ser mantida, mesmo diante da inexorabilidade de não sermos sempre os mesmos. Falando de outro modo, mesmo que haja um estranhamento em relação ao si mesmo ou ao mundo, este estranhamento 
não pode ser tomado como a sinalização da morte do Eu. 
O Eu precisa de uma qualidade de integridade que permita ao indivíduo ser capaz de sustentar uma idéia de inteireza de si apesar da diversidade e da multiplicidade de vivências, perspectivas ou acontecimentos externos.
Como estamos falando de estar no mundo e de modos de ver o mundo, parece- me útil recorrer a uma analogia com os fenômenos perceptuais da visão.
Vejamos a questão da conquista da noção de profundidade: Esta é habilitada pela superposição e integração das imagens percebidas por cada olho. Quando ocorre a visão monocular há uma perda perceptual significativa, há a redução da percepção de profundidade, a perda de identificar sombreados, de relativizar tamanhos e da paralaxe, que se define como mudança ou deslocamento aparente de um objeto em decorrência da mudança do ponto de observação. Toda esta riqueza perceptual só é aprendida e apreendida através da superposição de dois olhares que estão em pontos distintos.
Ora, não podemos pensar que o olhar, sob o ponto de vista do psiquismo, também adquire profundidade, discriminação, textura e relatividade, quando há a superposição e a integração de dois olhares  o do bebê e o da mãe... Mais, que uma situação que impeça o amadurecimento deste processo vai comprometer de forma profunda o modo como um indivíduo vê o mundo.
Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.", para Winnicott, o meio externo, no início da vida, só é externo sob a ótica daquele que observa. O ambiente, sob o ponto de vista do vivente, é "subjetivo, ou seja, nem externo e nem interno, o que significa dizer que ele participa intrinsecamente da constituição do si - mesmo e que este é o único modo de acesso que se dispõe no inicio da vida, ao sentido de realidade." 
A autora complementa que, apenas bem mais adiante, outros sentidos de realidade serão construídos a partir do que foi organizado no período inicial, quando a discriminação entre interno e externo passa a ser realizada, embora nunca de forma permanente e completa. O que é crucial é que, para que o indivíduo possa se sentir real num mundo que lhe pareça real, sua realidade precisará ser uma criação pessoal, não uma imposição externa.
Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. 
Não sei, bem entendido, 
se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos. Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, caráter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar. Por apercepção entende-se ver a si próprio ao ser visto pela mãe. A "percepção" tem sua origem a partir da apercepção, e refere-se à capacidade de ver o conjunto dos objetos, o que é também a capacidade de estabelecer uma diferenciação entre eu e não-eu. Se a percepção surgir prematuramente por meio da incapacidade da mãe de oferecer uma resposta ao rosto do bebê, ele encontrará maneiras para que tal aconteça, mas em detrimento de seu sentimento de "self".
A realidade, para ser real, precisa resultar do que foi possível viver ao longo do amadurecimento num processo adaptativo mútuo entre o individuo e seu ambiente. Quando a tônica de uma experiência de vida é a irrealidade e a impossibilidade de uma experiência afirmativa no mundo, esta pessoa não se sente capaz de acreditar em experiências positivas na vida e duvida da possibilidade de reivindicar sua marca pessoal no mundo.  O que é sentido pode ser classificado como depressivo ou melancólico, mas o que está por trás dessas nosologias? Um ser humano que percebe suas relações com o mundo impregnadas de dor, raiva, insuficiência e ausência.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Quando há o rompimento da rede de sustentação psíquica, em uma pessoa, cria-se uma espécie de buraco negro, de sorvedouro psíquico identificatório. Tal como nos buracos negros da Física, são áreas de enorme quantidade de energia libidinal que criam um vórtex, por onde escoam as significações identitárias.
Estas precisam ser contidas através do reforço e da definição precisa de outros traços que possuam força suficiente para conter este vazamento de sentido e identidade. Em Fernando Pessoa, sua dor o impeliu a uma hiper consciência, gradualmente emsombrecendo suas relações com o mundo, impelindo-o para a introspecção, esvanecendo possibilidades alternativas de contato. 
É a escrita que, embora insuficiente, opera o milagre de criar vínculos não com o outro, mas com a arte. Se algo ocorreu que impediu a integração, ficará um vazio no lugar daquilo que deveria ter acontecido. O que acontece ao Eu, antes dele se constituir, não terá registro do acontecido e nada poderá ocupar este espaço, um buraco causado pela não construção de vinculações e por onde escapam as vivências, já que irrepresentáveis.
Quem me dispôs para o que não pudesse?/Quem me fadou para o que não conheço/Na teia do real que ninguém tece?/Quem me arrancou ao sonho que me odiava/E me deu só a vida em que me esqueço/Onde a minha saudade a cor se trava (Fernando PESSOA, Cancioneiro) afirma que "aquilo que escapa a qualquer possibilidade de memorização está no vazio do ser" e descreve "o paradoxo dessa agonia primitiva que só pôde existir como negação, na falta de um lugar psíquico onde repousar" 
"Não posso estar em parte alguma. A minha Pátria é onde não estou", queixa-se Alberto de Campos,  
considera que, por inexistir no concreto, esta pátria ausente toma as mais variadas formas, assinalando sempre uma perda, o que finda ou é desfeito. Como num jogo de espelhos, a personalidade do poeta se auto reflete em tantas superfícies, perdendo-se a percepção da imagem original. O que é real e o que é especular? O que foi vivido e o que foi imaginado.
A busca de si mesmo,em si, resulta em fracasso. Gauche, deslocado e fora no mundo. Estar no mundo é uma experiência impossível para quem se vê impossibilitado de habitar dentro de si. Por não saber-se existindo, nada tem valor de realidade ou permanência.
O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. (…) Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamentos, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e alma."É o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo" (FERNANDO PESSOA – Bernardo Soares, Livro de Desassossego)?Bernardo Soares queixa-se do "caminho entre fantasmas inimigos que a minha imaginação doente imaginou e localizou em pessoas reais.". "Dói-me tudo por não ser nada", lê-se num poema. A dor vem do descompasso, do hiato entre aquele que pensa e o que é pensado, entre a vida imaginativa e a experiência real. Um elemento muito comum nos poemas de Pessoa é o estar doente. Pessoa sente dor, queixa-se dela em diversos poemas, de dores no corpo, na cabeça, mas a dor maior vem de pensar e do existir como ser pensante. Adoecer é quando dói o ser. Penso que esta é a doença falada, as doenças da alma. Em Fernando Pessoa, é a dor de ser que predomina sobre todas as outras, supostas ou reais. A loucura é outro tema recorrente. Declarar-se louco é poder dar um sentido inteligível ao sofrimento incognoscível. Álvaro de Campos é o mais queixoso e doente dos heterônimos.
Louco, sim, louco porque quis grandeza. 
Qual a sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou o meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que besta sadia, Cadáver adiado que procria? Ora até que enfim..., perfeitamente... Cá está ela! Tenho a loucura exactamente na cabeça.
Será a loucura querer mais do que o pouco?Fito-me frente a frente E conheço quem sou. Estou louco, é evidente, Mas que louco é que estou?
É por ser mais poeta Que gente que sou louco? Ou é por ter completa A noção de ser pouco?
Não sei, mas sinto morto O ser vivo que tenho. Nasci como um aborto, Salvo a hora e o tamanho.Cansa ser, sentir dói, pensar destrói.
A dor de existir e de estar sempre dolorosamente consciente de sua própria consciência o leva a escrever em um de seus últimos poemas, datado de 19 de novembro de 1935, dias antes de morrer de cirrose hepática, em 28 de novembro.
Há doenças piores que as doenças, Há dores que não doem, nem na alma Mas que são dolorosas mais que as outras. Há angústias sonhadas mais reais Que as que a vida nos traz, há sensações Sentidas só com imaginá-las Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir, Existe, existe demoradamente, E demoradamente é nossa e nós... Por sobre o verde turvo do amplo rio... Os circunflexos brancos das gaivotas... Por sobre a alma o adejar inútil Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo. Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.Tudo o que li não me satisfez. Semana passada, fui tomar um café turco. Na borra, vi a silhueta esguia, o nariz afilado, a boca fina. Parecia quase sorrir de minha busca.
Comprei uma passagem. Fui a Lisboa.
A rua Garret serpenteia ladeira acima, até a praça Luis de Camões. Perto dela, o largo do Chiado e o café A Brasileira. Inúmeras mesinhas do lado de fora, uma delas permanentemente ocupada pelo homem. A garçonete, solícita, serve-me o café e tira minha foto ao lado dele. Desde a louça até o interior do café, a tabacaria ao lado, tudo convida ao sonho, ao mergulho no passado. Havia passado pela Bertrand, comprado alguns de seus livros, e os colocado sobre a mesa, numa homenagem explícita. Estava certa de que ele viria ao meu encontro. Iria lhe perguntar muitos porquês, tentando entendê-los, entender a mim e o que vim buscar.
De nada serviram os preparos. Talvez faltasse um doce, talvez os augúrios não fossem favoráveis, talvez se lhe dissesse de meu interesse por assuntos do além, talvez. O homem não veio. Deixou, em seu lugar, uma estátua em bronze que não se comoveu com minha ansiedade. 
Percorri as ruas de Lisboa, refiz muitos de seus passos, bati em sua porta. Não o encontrei. Encontrei partes de mim, memórias de um passado que não tive, e a certeza de que não estava em Lisboa o quê tinha vindo buscar.
Voltei para casa e ainda busco. Não sei se um dia vou achar o que me foi pedido. Atrapalho-me com as palavras e as imagens. Nada me satisfaz, alma mais inquieta do que nunca. O que escrevo não é o que desejo, o que desejo não é o que desejo e o que não desejo não é tão indesejável assim, e o que não escrevo e não descrevo, ah, isso sim, é o que eu quero dizer.
O que Fernando Pessoa me desperta? O que eu sinto, é tanto o que eu sinto, e mesmo se falasse um tanto desse tanto, ainda assim não ia ser muito.
O que é muito é meu desassossego.
Tudo começa em casa. Contribuições da psicanálise winnicottiana ao campo da atenção pública em saúde mental: manejo e uso ampliado do setting na clinica das psicoses em instituições.  
Que me roubou a minha dor antiga/E só a vida me deixou por dor?/Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga,/Me deixou só no fogo e no torpor? Quem fez a fantasia minha amiga/Negando o fruto e emurchecendo a flor?Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga/A seu infiel e irreal sabor... Quem me dispôs para o que não pudesse?/Quem me fadou para o que não conheço/Na teia do real que ninguém tece?/Quem me arrancou ao sonho que me odiava/E me deu só a vida em que me esqueço/Onde a minha saudade a cor se trava? (Fernando Pessoa, Cancioneiro)