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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Richard Avedon


Nasceu em New York em 1923.
Morreu em San Antonio em 2004.
Filho do fotógrafo russo Jacob Israel Avedon, estudou filosofia, por um breve período, na universidade de Columbia, em Nova Iorque, e foi estudar com Alexey Brodovitch no laboratório de design da New School for Social Research, em Nova Iorque.Em 1945 tornou-se fotógrafo da Harper's Bazaar e até ao fim da década fotografou também para a revista Vogue. O seu prémio de excelência atribuído pela empresa do inventor do rolo flexível e responsável pela massificação da fotografia, a Eastman Kodak.
Analisando a regra de Richard Avedon, e não a excepção, ou seja, analisando os seus retratos de estúdio, pode-se induzir no erro de pensar à partida que as suas imagens não possuem uma temática. Embora em parte seja verdade, pois esses retratos, por hora, não tratam de nenhum temática específica, existe uma temática geral que os caracteriza e que é comum a todo o seu trabalho retratista. Assim, pode-se dizer que o trabalho de Avedon, de uma forma geral, reflecte a realidade do ser humano destituída noções espaço-temporais. As pessoas, são o centro de todo o seu trabalho, e quase sempre, não são só o centro, mas são também o único elemento da imagem. Por isso, Avedon concentra-se nelas e tenta retirar delas aquilo que elas transmitem, na sua forma mais pura.Ao analisar a obra completa de Richard Avedon, um dos aspectos mais curiosos com que se depara, é um sentido de atemporalidade incrível. Tendo sido o século XX marcado por uma quase absurda massificação da imagem e dos ícones que se impuseram culturalmente em todo o globo, o espectador ganhou uma curiosa capacidade de relacionar todos esses rostos com um determinado acontecimento, e com uma determinada maneira de ser. Desta forma, Avedon apresenta grande parte desses rostos, desprovido da confortável sensação conferida habitualmente pelas referências espaço-temporais, totalmente nu perante o espectador, que não consegue evitar desenhar atrás deles o cenário que o seu subconsciente construiu acerca dessa pessoa. Da mesma forma, a mesma expressão facial em Henry Kissinger e Andy Warhol transmite diferentes ideias ao espectador.
Richard Avedon não se limita a utilizar pequenas narrativas para contra histórias com o seu trabalho. Em vez disso, prefere testemunhar a História e a cultura do século XX através dos seus principais intérpretes, sem nunca ajuizar os seus sujeitos. Através da omissão dessas referências espaço-temporais, Avedon torna contemporâneas, personagens tão díspares, apresentando-as quase como se tivessem estado todas numa mesma grande festa. Por isso é que, apesar de aparentemente iguais, são tão diferentes as fotos que Avedon produz, quando o sujeito é um estranho, ou quando é uma personalidade que conta algo só pela sua presença. Quando é alguém que já conhecemos através dos media, Avedon trata de nos dar a sensação de que a nossa relação com essa personalidade é algo íntimo e pessoal, como se o conhecessemos, e se as suas memorias fossem as nossas.É devido a esta naturalidade com que Richard Avedon capta os sujeitos, que o fotógrafo Americano consegue criar todo um processo de humanização de ícones pela mão de imagens que nos olham nos olhos e eventualmente, que nos atravessam.Sendo que o trabalho de Richard Avedon é quase exclusivamente constituído por retratos, também a composição das suas imagens é comum a quase todo o seu trabalho. Com manchas completamente contrastantes, as fotografias de Avedon apresentam um fundo simples, normalmente um cenário branco ou cinzento, com a imagem de uma pessoa em primeiro plano. Esse dualismo do complexo sobre o simples, torna as imagens de Avedon mais interessantes e valoriza a concentração na personagem, que por regra tem todas as imperfeições da cara bem definidas, com um pormenor infalível mesmo à luz da lupa.
Quase sempre, as personagens dos seus trabalhos encontram-se de frente para a câmara, em pé, centrados ou ligeiramente (e propositadamente) descentrados, e a meio de qualquer movimento ou expressão. Assim, Avedon utiliza com extrema frequência planos americanos, planos médios, e grandes planos, dependendo do sujeito, sendo que são extremamente raras as utilizações de um plano geral, que não seja para captar um grupo de pessoas, nas mesmas condições de estúdio que os seus retratos individuais. Aspecto curioso também na maneira como compunha as suas imagens, é a forma como utilizava o espaço vazio. O espaço vazio, que ocupa normalmente mais de metade das suas imagens, mas que nunca perde o equilibrio, exerce como que uma força sobre as personagens, força essa que só vem a ser reforçada com um dos "clichés" de Avedon, que são as margens pretas que tem por hábito deixar nas bordas da imagem.Usa a luz intensa, e contudo dispersa que utiliza nos seus retratos torna os contrastes e o detalhe muito fortes, e isso faz com que sejam visíveis todos os tons de cinzento, branco e preto que a foto pode oferecer.
Ironicamente, aquela que provavelmente é a mais famosa série de imagens de Richard Avedon, conta com cores absurdamente vivas, como as fotos dos quatro Beatles de 1967, incluídas na edição de 9 de Janeiro de 1968 da revista look logo após o lançamento dos álbuns Sgt Peppers e Magical Mistery. Tour, e apenas uns meses antes do lançamento do álbum homônimo, conhecido como White Álbum naquela que foi uma das fases mais criativas da banda de Liverpool, e que coincide com o auge e saída da fase psicodélica dos britânicos. Possivelmente por esse mesmo motivo, é que Richard Avedon, paralelamente com outras fotos da banda que fez, decide criar quatro obras psicodélicas, uma com cada membro. Essas fotos representam cada membro de forma muito distinta, como que refletindo através da cor a personalidade de cada um. Tanto há quarenta anos como hoje, as personalidades dos Beatles, é conhecido do grande público. Sabendo disso e para servir esse propósito, Avedon faz outra coisa que é rara no seu trabalho, que é utilizar adereços propositados. Assim sendo, a simplicidade de Ringo é representada a duas cores (além do preto e do branco, naturalmente), por um pombo branco pousado na mão do baterista, e um tom de laranja pastel, quase castanho, que lhe ilumina a face e o tronco despido, deixando um azul inofensivo como a sua expressão, nas sombras que o corpo encobre.
George Harrison é apresentado também em tronco nú, com a mão levantada e pinturas Indianas a cobrirem lhe a parte de cima do tronco e da mão, que remetem para o lado espiritual do pupilo de Ravi Shankar. A foto utiliza um filtro verde que cobre toda a imagem, e é colmatada com um laranja extremamente saturado que substitui os tons fortes da imagem. Já Paul McCartney, é representado através de um azul extremamente claro, sem demasiada saturação, como se estivesse a tentar não incomodar ninguém, mas por outro lado, em perfeita harmonia com o lilás que cobre as sombras das fotos. Olha sereno para a câmara enquanto segura na mão o caule de uma planta com flor. Por fim, John Lennon, naquela que é provavelmente a imagem mais emblemática tanto dele como de Avedon, figurando até na capa da sua compilação "Avedon: The Sixties", está apresentado com quatro cores. O fundo em amarelo vivo define o tom com que a imagem vai contrastar. Assim, a sua pose altiva encontra-se com a parte iluminada da face, a roxo, e a parte escurecida pela sombra, colorada de vermelho. Por fim, os seus famosos óculos redondos, revelam umas curvas psicodélicas em vermelho e verde. Todas as cores desta imagem são altamente saturadas, como se estivessem a reforçar a idéia da controvérsia sempre gerada por John, e o reflexo do psicodelismo nos seus óculos também não foi com certeza mero acaso. Sua opinião de Richard Avedon, a fotografia é uma arte triste, pois perece, mas ainda assim permanece. Para evitar a tristeza e a morte que afirmava ter povoado o seu trabalho quando era mais novo, pois retratou muitas personalidades, já no fim de vida, e carrega também no seu currículo uma foto que tirou nessa altura do seu pai Jacob Israel. No futuro que se seguiu, Avedon garantiu que não estava interessado em voltar a retratar a morte, pois isso era demasiado íntimo para a arte. Aponta para o seu pai como seu tutor, pois foi este que lhe ensinou o poder da luz na feitura de uma fotografia.
Enquanto crescia, essa cultura da fotografia foi alimentada pelos preciosos retratos da família Avedon. Richard Avedon recordava-se da família planejar cuidadosamente as composições das fotografias, dos trajes que vestiam, das poses que encarnavam, das casas e carros alheios que inseriam na foto numa tentativa de ostentar uma irrealidade, e dos cães que pediam emprestados para o mesmo efeito. De facto, por muito bizarro que pareça, estes acontecimentos não são ficcionados, e a família Avedon posava realmente para as fotos com cães emprestados. Era uma ficção construída ali mesmo, sobre a vida real daquela família Nova-Iorquina. Richard Avedon, anos mais tarde, encontra no espaço de um ano do álbum de família 11 cães diferentes, e recorda-se de serem utilizados quase sempre cães diferentes para cada foto dos Avedons. Era como se um cão fosse algo essencial para a sorridente ficção da família Avedon. Como o próprio em tempos disse, essas mentiras mostravam a farsa que eles eram, enquanto revelava a realidade sobre aquilo que almejavam ser.
Richard Avedon afirmava que na fonte do seu trabalho estavam uma série de "nãos". Dizer "não" a uma luz requintada, a uma aparente composição, à sedução de uma pose e de uma narrativa permitiu-lhe, e eventualmente forçou-o a dizer "sim" a algo. Para Avedon, é suficiente dizer "sim" a um fundo branco, à pessoa em que estava interessado e ao que se passa entre eles.
Viciado no trabalho, o nova-iorquino reclamava que se passa um dia em que não faça algo que esteja de alguma forma relacionado com a fotografia, é como se a sua vida se esvaziasse de existência, quase como se nunca tivesse chegado a acordar. Embora reconhecesse que a sua carreira na fotografia não foi totalmente premeditada, Avedon sabia que o o acaso de ser fotógrafo foi o que tornou a sua vida possível.
Em tempos, Avedon recordou a sua ida a Washington, para fotografar o mediático político Henry Kissinger.
À medida que Avedon aproximou a câmara de Kissinger, este retorquiu "Seja gentil comigo". Sem nunca ter sabido o que realmente queria Kissinger dizer com aquilo, Avedon limitou-se a especular. Naturalmente, que tendo sido Secretário de Estado, Kissinger saberia bastante sobre manipulação de imagem, e por isso, esta preocupação do político realmente pôs Richard Avedon a pensar no significado daquela enigmática frase. Quereria Kissinger parecer mais sábio, mais caloroso, mais sincero do que ele próprio sabia que era? Avedon acreditava que é trivial e rebaixante fazer alguém parecer mais sábio ou nobre (algo que afirmava ser fácil de ser feito), ou até convencionalmente bonito, quando a pessoa por si só, sem artifícios é algo muito mais complicado, contraditório, e como tal, fascinante.
Richard Avedon não achava que a fotografia tinha que justificar a sua existência através do seu reconhecimento como "arte". Elas são memórias do homem, facetas contraditórias de um instante de uma vida enquanto sujeito, e das nossas vidas enquanto espectadores. Assim sendo, o nova-iorquino via as suas próprias fotografias como imagens vivas, prestes a saltar da imagem que nem as personagens do filme de Woody Allen, "A Rosa Púrpura do Cairo". Essas personagens das suas fotos, têm confrontos com os espectadores, e por isso é uma forma de arte tão distinta das outras. Desta feita, e ainda em referência a Henry Kissinger, Avedon lembra que o significado daquela fotografia, como o de tantas outras, é o de lembrar o terror e a maravilha que é uma fotografia, tantas vezes subvalorizada.
Dono de um universo constante e intemporal, Richard Avedon viveu 81 anos para testemunhar da melhor maneira possível o século com mais História que a Humanidade viveu. Até ao fim, fez questão de trabalhar, e de trabalhar em estúdio como sempre havia feito, pois isso isolava as pessoas do seu meio ambiente, tornando-as um símbolo daquilo que eram. E todas as pessoas consultavam Avedon, como se fosse um médico, na esperança que este lhes dissesse como é que elas eram na realidade. No entanto, e nas suas próprias palavras, todas as fotografias são verdadeiras. Mas nenhuma é verdade.