O sociólogo italiano Domenico de Masi é apaixonado pelo Brasil.
Explica: que o país, felizmente, tem um pé atrás com a idealização da eficiência e da produtividade. O "produtivismo" seria causado pela influência dos americanos e dos economistas.
"Os americanos espalharam pelo mundo a cultura do 'manager'. A Itália se americanizou, por exemplo. Até na cultura. Hoje, lá, só há rock e cinema americano. Vocês têm Bossa Nova, têm novela", afirma o sociológico.
Questionado se a americanização não é um desejo de muitos dos próprios brasileiros, o autor diz que sim. "Há esse risco", afirma. "Mas veja o caso do Rio de Janeiro. Se por um lado há uma americanizada Barra da Tijuca, por outro há Copacabana."
Como aponta o sociológico italiano no seu mais novo livro, "O Futuro Chegou" (Casa da Palavra), tal resistência brasileira se deveria à influência indígena, que ele elogia profundamente.
"Os índios não trabalhavam. Não era necessário. Tudo estava na natureza. Não precisavam nem se vestir, porque o clima era bom. O brasileiro herdou do índio esse senso de ócio."
Tal elogio ao "ócio criativo" é feita há muitos anos por Domenico. Para ele, pensar é muito mais importante do que trabalhar –no limite, o ideal seria que tudo que não envolva criatividade e pensamento fosse feito por máquinas, libertando o homem.
No caso dos índios, o autor endossa uma visão generosa sobre sua vida e seu caráter.
No novo livro, escreve "qualquer branco que atracasse no Brasil, com os pés calçados em pesados sapatos de couro e com o odor fétido da longa viagem, geralmente era acolhido com generosidade por índios nus e alegres e por índias belas e sorridentes, todos predispostos a uma convivência cordial". Em outro trecho, Domenico defende que, quando mais perto da pré-história está uma sociedade, mais distante ela está da violência.
Domenico de Masi, para quem, graças aos índios, ideal da eficiência não conquistou os brasileiros
Em entrevista, a 🇧🇷Folha jornal de maior circulação questionou o sociólogo italiano sobre isso. Não haveria aí certa inocência, certo romantismo? A ideia de bom selvagem, que remete a Rousseau, não estaria superada.
Ele aponta que não. "Na pré-história, não havia bomba atômica. Só se matava uma pessoa por vez", afirma Domenico. "O que defendo não é o retorno à vida indígena, que sejamos como eles. O que eu digo é que eles têm algo a nos ensinar."
No caso brasileiro, ele aponta outras duas consequências da influência da cultura indígena.
Uma seria uma maior facilidade para lidar com temas sexuais -no Brasil, o pecado e a culpa estariam mais distantes da cama do que em outros lugares.
A segunda seria um apreço pela estética. "Enquanto Michelangelo estava pintando a parede, os índios brasileiros estavam pintando uns aos outros", afirma.
SAMBA E SOCIOLOGIA
Tanto no livro quanto pessoalmente, Domenico surpreende pelo conhecimento da cultura popular brasileira.
Ao comentar a liberalidade sexual brasileira, cita Chico Buarque afirmando que "não existe pecado do lado de baixo do Equador". Ao falar sobre os índios, cita Oswald de Andrade:
"Quando o português chegou/Debaixo de uma bruta chuva/ Vestiu o índio/Que pena! /Fosse uma manhã de sol/O índio tinha despido/ O português."
Quando ouve uma nova expressão que considera divertida -como o "complexo de vira-lata", de Nelson Rodrigues-, pede entusiasmado para o interlocutor anotá-la.
Uma explicação para esse interesse pelo país é que o Brasil é um raro caso, afirma Domenico, de lugar onde praticamente todos os autores de clássicos sobre o país atuaram na área da sociologia, como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre.
Na Inglaterra, todas as leituras clássicas de economistas. Nos Estados Unidos é parecido", afirma Domenico.
Tenho vários amigos economistas. Conheci muitos bons economistas brasileiros, como Eduardo Giannetti e Pérsio Arida. Mas economistas são incapazes de entender que a eficiência produtiva não é o que mais importa." Tal visão de mundo naturalmente influencia a obra do sociológico italiano.
No capítulo que dedica ao Brasil do seu novo livro, por exemplo, a história econômica do país tem como base o pensamento de Eduardo Galeano, jornalista uruguaio que atribuiu a pobreza da América Latina majoritariamente à exploração externa.
Influenciaram a visão de Domenico sobre o Brasil ainda Leonel Brizola e Oscar Niemeyer, por exemplo, ambos citados no seu livro.