Lonely Paul

Se você abrir a primeira página do livro "A invenção da solidão", não vai parar mais de lê-lo. A partir desse primeiro contato, será como se ele fizesse parte de você. O relato dele, tristemente verídico, é simples. E justamente nisso reside sua grandiosidade. Paul Auster, escritor morto na última terça-feira, quando jovem, testemunha a morte repentina de seu pai. Meses depois, o autor decide escrever não apenas sobre o falecimento em si, mas também a respeito da personalidade contraditória que ele identificava em seu pai. Surge então uma das descrições mais comoventes, sombrias e apavorantes que a literatura universal já produziu acerca da relação, muitas vezes caótica, entre pais e filhos. Regressando à época de meninice, adolescência e juventude, Auster procura desesperadamente por um pai que optou por não ser presente em sua vida. Um pai que não lhe destinava o menor gesto de afeto ou devoção. E, quanto menos Auster recebia daquele homem sentimentalmente intransponível, mais Auster ansiava por sua aprovação, por seu olhar e por seu amor. Aquele fim abrupto não permitiu a Auster um diálogo definitivo quanto às barreiras invisíveis que separam dois seres humanos. A obra de Auster ocupa-se com temas variados. Os mais recorrentes são a inevitabilidade do sofrimento humano, a forma como o acaso altera profundamente nosso destino, a morte, a forma como lidamos com as consequências de nossos atos, sejam eles altruístas ou repulsivos. O absurdo existencial permeou sua criação. A vocação admirável de Auster consistia em mergulhar o mais fundo possível na essência humana, e dela fazer emergir nossos temores, nossos anseios por felicidade, nossa personalidade mais tenebrosa e iluminada. Uma tarefa e tanto, não é verdade?
O escritor morre.
Seu legado permanece.
Paul Auster morreu em 30 de abril 2024.
Paul Auster demonstrou que a literatura mais bela reconhece seus limites.